Introdução

               A presente dissertação pretende tratar e dilucidar de forma sumária uma questão capital e complexa, a negritude, que tem interesse cultural em geral e filológico em particular. Para esse alvo é fundamental rever o percurso histórico do termo e analisar a dimensão epistemológica, deontológica, cultural e social que subjaz nesse neologismo, por vezes virtual, ignoto e coercitivo, aportando uma cosmovisão que seja testemunha real do seu significado, desde as suas origens até a atualidade. Aliás, para o assunto objeto de estudo vão ser utilizados como exemplo discursos negritudinistas presentes na literatura africana de expressão portuguesa, objeto de estudo filológico nas Literaturas Africanas.

Palavras-chave; negritude, negritudinismo, negritudinista, branquitude, pan-africanismo, cultura negra, literatura africana, literatura luso-africana, poesia africana, língua portuguesa, história da época colonial, estudos pós-coloniais, sociologia, consciência negra, denúncia social, superioridade moral dos negros, idiossincrasia negra, África.

Negritude

               O que é mesmo a negritude? Trata-se de um neologismo criado por Aimé Césaire em 1935 e usado pela primeira vez no terceiro número da revista L’étudiant noire para nomear tudo aquilo que pertence ou é relativo à cultura e a identidade negra perante as culturas coloniais dos brancos, vindas desde a Europa para oprimir as expectativas vitais, sociais e políticas do território africano no seu conjunto. Césaire foi um poeta e intelectual da Martinica muito propenso à facilidade linguística e a defesa das suas convições e origens negros, toda a sua obra vai estar marcada por esse componente. A criação do seu neologismo levou-lhe ao reconhecimento internacional pela necessidade que há tempo existia para exprimir o termo, depois retomado, usado e refletido por extenso por Léopold Sédar Sengor, ensaísta y político senegalês.

               O neologismo tem como língua genuína a língua francesa -négritude-, como sabem a Martinica foi uma colônia francesa e, portanto, a língua de prestigio em diglossia com as originárias daquela terra era a língua gala. O termo não demorou a deixar de ser neologismo para passar a se incorporar ao léxico da esmagadora maioria de línguas europeias, todas relacionadas com África pela época colonial. A significação da palavra é motivo de discussão até hoje, não existe uma definição universal como se pode constatar nos diferentes estudos multidisciplinares realizados a propósito do seu signo linguístico e as suas repercussões: Segundo Senghor, o vocábulo faz referência ao «conjunto de valores interdisciplinares e heterogéneos da África negra [sic]». Segundo o dicionário Priberam a palavra «exprime a qualidade do que é negro» ou «corrente que defende a valorização da cultura dos negros», então por um lado há uma significação física e morfológica e por outro lado uma significação metafísica, transcendental ao homem negro. Numa pesquisa no Corpus do Português da Universidade de Georgetown, a mais completa de livre acesso pela internet e que compreende o português oral e escrito de entre os séculos XIII e XX, o termo teve uma produtividade na língua lusa, desde o seu surgimento e adaptação ao português até o século XX de 7 ocorrências só. Repare-se que desde 1935 até 2001 o termo não teve, se calhar a incidência que seria desejável, Portugal até 1975 estava sob um regime totalitário que precisamente tinha como um dos seus pilares a manutenção das colônias e a censura de expressões negritudinistas, quase sempre tão indissociáveis à questão independentista, de denúncia social da situação dos negros perante os brancos e de motor de conscientização e mudança social. 4 dessas 7 ocorrências tiveram lugar no contexto brasileiro, talvez mais «livre» ou interessado na expressão dessa realidade tão desconhecida como menos valorizada, todas elas no contexto das notícias e nos meios de comunicação.

               Como já foi comentado, o termo não só fazia referência ao que pertence e é relativo à «raça negra», também passou a nomear um movimento de exaltação das pessoas e das culturas dos povos negros, na literatura africana de expressão portuguesa e francesa a incidência do termo e o conceito que leva com ele vai ser capital, até hoje em dia. Esse movimento intelectual, nascido dos africanos que emigraram e conseguiram fazer estudos universitários para explorar os seus plenos potenciais ideológicos é definido por Césaire como uma negação, «a negação da negação do homem negro». É por isso que não é estranho que o surgimento do termo e do movimento ideológico revolucionário supôs um dos elementos detonantes do início das lutas de libertação e independência da maior parte dos países africanos, criados artificialmente na conferência de Berlim (1884-1885) como se do reparto de um bolo se tratasse pelas potências europeias, que no contexto luso-africano tiveram começo em 1961 em São Tomé e Príncipe e Angola e concluíram com a Independência efetiva de Angola em novembro de 1975, com o anterior e conseqüente colapso do nauseabundo estado ditatorial do Estado Novo (português) na Revolução dos Cravos no 25 de Abril de 1974.

               O termo está intimamente relacionado com outros como pan-africanismo, black renaissanse, sociedade negra na diáspora, e como é obvio constitui um bastião na expressão literária negra e em outro tipo de expressões não literárias nem acadêmicas.

Negritude na literatura luso-africana

               Na literatura africana de expressão portuguesa a palavra e o conceito negritudinistas são uma constante, se calhar mais implícitos em alguns autores que noutros, mas sempre presentes nem que seja de forma indiretamente manifesta. Após o estudo dos diferentes autores dos cinco países lusófonos africanos selecionei os que eu bem entendia que eram grandes bandeirantes da negritude e tudo o que isso supõe. 

               Campos Oliveira, no seu poema O pescador de Moçambique, e na Revista Africana dá conta dos aspetos mais físicos ligados a negritude, que por assim dizer testemunhar a vida de um negro qualquer, desconhecida para os estrangeiros do continente africano. Essa negritude está interligada à pertença à terra africana, a grande mãe África.

               Rui de Noronha também mostra a negritude nos seus poemas, o imaginário africano dos negros e a sua cultura, com as suas tradições e festas, em Sonetos e Lua Nova

               Noémia de Sousa, grande negritudinista moçambicana, em Sangue Negra e Let my poeple go apela à liberdade de uma forma visceral e sensacionalista, suportando os seus argumentos no conceito de negritude. 

               Não podia faltar a menção de José Craveirinha, engajado politicamente coa negritude poderíamos afirmar, mostra os valores dos negros em Karingana na Karingana e em Grito Negro. Também, mas de uma forma mais indireta em Hino à minha terra

               A publicação seriada Mensagem (1951 - 1952) que relaciona a vários autores como Viriato da Cruz, Agostinho Neto, Noémia de Sousa, José Craveirinha... É uma boa amostra da literatura negra negritudinista.

               Manuel López, grande poeta cabo-verdiano que tratou do exílio dos compatriotas por todo o mundo, mostrando sempre os valores metafísicos negritudinistas. 

               Não podíamos esquecer da publicação Poesia Negra de Mário Pinto de Andrade e Francisco José Tenreiro, verdadeiros negritudinistas, os mais importantes de todos me atreveria a afirmar, na sua obra tratam a negritude de forma extraordinariamente engenhosa e realista, muito em relação com o pan-africanismo. Nela fazem uma magnífica compilação de obras, todas elas negritudinistas, ensaios, poesias e por aí fora.


Grito Negro

Eu sou carvão! 
E tu arrancas-me brutalmente do chão 
E fazes-me tua mina 
Patrão!

Eu sou carvão! 
E tu acendes-me, patrão 
Para te servir eternamente como força motriz 
mas eternamente não 
Patrão! 

Eu sou carvão! 
E tenho que arder, sim 
E queimar tudo com a força da minha combustão. 
Eu sou carvão! 
Tenho que arder na exploração 
Arder até às cinzas da maldição 
Arder vivo como alcatrão, meu Irmão 
Até não ser mais tua mina 
Patrão! 

Eu sou carvão! 
Tenho que arder 
E queimar tudo com o fogo da minha combustão. 

Sim! 
Eu serei o teu carvão 
Patrão!
                                                                                               José Craveirinha


Conclusões

               Em definitiva estamos a tratar de um assunto relevante para a cultura, a negritude nos ajuda a compreender os acontecimentos históricos acontecidos em África e fora dela com os diferentes povos negros. Na medida em que compreendermos a importância e transcendência do neologismo de Césaire estaremos a compreender, não só a história da África, senão também à ideologia e à idiossincrasia dos vários países africanos de língua portuguesa e outros, também objeto de colonização e exploração europeia. Poderia concluir a afirmar que a negritude é um elemento indissociável às culturas africanas, pois da sua natureza emerge a própria condição de ser negro.

Bibliografia e documentação

  • ADOTEVI, Stanislas. Negritude et negrologues. Paris: Unión Général d’Editions, 1972. 
  • BATTESTINI, Simon, Écriture et texte. Contribution africaine, Québec/Paris; Universidade Laval/Présence Africaine, 1997. 
  • BERND, Zilá. A questão da negritude. São Paulo: Brasiliense, 1984. 
  • DIOP, Cheik Anta, L’unité culturelle de l’Afrique Noire, 2ª ed., Paris, Présence Africaine, 1982. 
  • DIOP, Cheik Anta, Nations nègres et culture, 2 vols., 3ª ed., Paris, Présence Africaine, 1979. 
  • DOMINGUES, Petrônio. Movimento da negritude: uma breve reconstrução histórica em MediaçõesRevista de Ciências Sociais. Londrina, Brasil: 2005. Págs. 25-40. 
  • FANON, Franz. Peau noire, masques blancs. Paris: Editions Seuil, 1952. 
  • FERREIRA, Manuel (1977): Literaturas africanas de expressão portuguesa, Lisboa, Instituto de Cultura Portuguesa, 2 vols. 
  • LARANJEIRA, Pires (1995): Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa. Lisboa, Universidade Aberta. 
  • MARGARIDO, Alfredo. Negritude e humanismo. Lisboa: Casa dos Estudantes do Império, 1964.