Introdução

               Este breve ensaio pretende avaliar duas questões; por um lado a questão da nacionalidade em geral, e por outro lado a questão da nacionalidade no caso concreto dos africanos. Portanto vão ser tratados os diferentes fatores que constituem ou pudessem constituir essa consciência nacional, da qual se gera a nacionalidade e que a efeitos práticos e teóricos supõe um instrumento que os estados soberanos oferecem aos seus concidadãos. No caso particular das nacionalidades dos africanos a questão é realmente complexa pois como se explicará a continuação, na África existem grupos de pessoas que vivem fora do que entendemos como sociedade moderna por razões várias, fazendo eles ignorar este artificio do século XVIII intencionada ou não intencionadamente. Isto é, uma análise da questão de nacionalidade em contraposição das conceições ocidentais e africanas. A complexidade do assunto é claramente notória.

A questão de nacionalidade

               O que é mesmo a nacionalidade? Segundo o dicionário da língua portuguesa Priberam, a nacionalidade é o que constitui o caráter de nacional, é independência política, é pátria ou naturalidade. Mesmo assim estas acepções do dicionário não são suficientes para esclarecer o termo, é preciso reparar no ordenamento jurisprudencial que assegura que a nacionalidade um vínculo jurídico de direito público interno entre uma pessoa e um estado soberano. A nacionalidade pressupõe que o cidadão tenha determinados direitos frente ao estado do que é nacional. Como cada estado tem leis diferentes, cidadãos de diferentes estados têm direitos diferentes e estão sujeitos a um ordenamento jurídico desigual. O conhecimento da nacionalidade de um cidadão é fundamental pois permite distinguir entre nacionais e estrangeiros, que são possuidores de direitos diferentes. A condição de nacionalidade às vezes não só supõe a tenência de direitos, também supões deveres, há países onde votar ou fazer o serviço militar é obrigatório por exemplo. Todas estas questões são determinadas pelo direito internacional privado e poderíamos resumi-lo dizendo que a nacionalidade de uma pessoa jurídica costuma ser a do Estado sob cujas leis foi constituída e registrada. A Sociologia também se preocupou por esta questão, para esta ciência social a condição de nacionalidade tem uma definição diferente à definição da linguística e do direito, a explicação é que a nacionalidade é vista desde outra perspectiva. Para a Sociologia a nacionalidade é uma condição que surte da relação de uma pessoa (não um cidadão) e uma nação (não um estado) porque a palavra «nacionalidade» provem da palavra «nação», com todas as conotações e denotações destas mudanças. 

               Outra questão fundamental a tratar que está intimamente vinculada a nacionalidade é a aquisição da mesma. Existem vários supostos que permitem a aquisição de uma nacionalidade, embora cada estado regule particularmente este processo e não todos estes supostos estejam vigentes ou estejam acrescentados com requisitos específicos adicionais. A nacionalidade originária é atribuída no momento do nascimento e constitui-se na principal forma de concessão da nacionalidade por um Estado. Existem dois tipos de nacionalidade originária, estes dois casos são o ius soli e o ius sanguinis. Podem apresentar-se por separado ou juntos.

               No que tem a ver co conceito de nação como construção ideológico-cultural e afetiva remito vocês a extraordinária obra de Benedict Anderson, Imagined Communities: Reflections on the Origin and Spread of Nationalism (1983).

Nacionalidades originárias

  • O ius soli (do latim: «direito do chão»), é o suposto no qual a nacionalidade é atribuída pelo fato do cidadão ter nascido no país que lhe outorga a condição nacional. Isto é, a nacionalidade é reconhecida a um indivíduo de acordo com seu lugar de nascimento. Este pressuposto é o mais habitual e se contrapõe ao de ius sanguinis embora às vezes dão-se simultaneamente. Nascer no país contempla também, segundo a legislação internacional náutica e aeronáutica; mar territorial, espaço aéreo, navios e aeronaves de guerra, embarcações comerciais e civis, ainda que em alto mar ou exercendo o direito de passagem inocente pelo mar territorial estrangeiro, e aeronaves civis e militares, ainda que em vôo sobre espaço aéreo internacional ou estrangeiro.
  • O ius sanguinis (do latim: «direito do sangue»), é o suposto no qual a nacionalidade é atribuída pelo fato do cidadão ter ascendência direta (pai, mãe ou ambos) do país que lhe outorga a condição nacional. Este suposto é relativamente recente, começou a reconhecer-se junto com os fluxos de emigração e imigração europeia desde o século XIX.
               A parte das nacionalidades originárias, o hibridismo de ambas em muitos países do mundo e os contextos políticos, sociais, econômicos e em definitiva históricos propiciaram a aparição da chamada nacionalidade derivada, que contempla um só suposto.

Nacionalidade derivada

  • A Naturalização, é o suposto no qual a nacionalidade é atribuída a um cidadão de outra nacionalidade pelo fato de ter a solicitado, nos supostos que contemplam leis de concretos países terem escolhido ela por opção pessoal, pela força (como aconteceu no Império do Brasil que se obrigou a todos os portugueses residentes no país a adotar a nacionalidade) ou até por oferecimento dos governos dos países por questões de premiação ou reconhecimento de ações, obras ou contribuições. 

               Também existe a nacionalidade negativa -os apátridas-, são cidadãos que por terem nascido de pais dum ou vários países que só têm vigente o suposto de ius soli num país que só tem vigente o ius sanguinis. Isto acontece por exemplo com os cidadãos que nascem em Itália de pais uruguaios, não podem ser italianos porque na Itália só se contempla o ius sanguinis nem podem ser uruguaios porque Uruguai só tem vigente o suposto de ius soli. É por isto que a ONU criou a Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas em 1954 para evitar que este caso de produza e cidadãos fiquem no limbo jurídico, permitindo eles escolher ou realizando uma arbitragem bilateral o multilateral entre os países afetados para evitar a complicadíssima condição de apátrida. 

               No caso do cidadão ter obtido pela razão seja qual for uma ou várias nacionalidades além da primária estaremos a tratar de casos de dupla, tripla e múltipla nacionalidade. Estas situações aportam por um lado benefícios relativos à escolha do lugar de morada livremente, beneficiar-se de fenômenos de integração como pode ser A União Europeia, A União dos Estados Americanos, O Mercosul, A União de Estados Africanos e por aí fora, com todas as suas conseqüências. Porém também pode supor problemas relativos ao cumprimento das leis de todos os países simultaneamente, das receitas tributárias ou de questões várias. No caso de litigio o cidadão plurinacional deve escolher um país para ser julgado em base aos normais procedimentos e leis do país concreto. 

A nacionalidade dos africanos

               A nacionalidade dos africanos é uma questão complexa que não parece atingir à totalidade da população dos diferentes países do enorme continente. A explicação poderia ser a seguinte: Os países africanos são estados soberanos com uma vida relativamente curta pois resultaram dos processos neocolonialistas da segunda metade do século XIX, quando estes foram abandonados, colapsados por problemas vários ou até pelas metrópoles perderem guerras de independência contra as colônias. A Conferência de Berlim (1884-1885) tinha assentado as regras deste processo e tinha também organizado a «repartição do bolo» africano segundo critérios históricos, políticos e militares. Neste contexto se produziu também o confronto entre Portugal e Inglaterra pelo mapa Cor-de-rosa acabando com o ultimátum que fez a Portugal render-se e admitir a repartição inicial. 

               Segundo Mario Pinto de Andrade na publicação Origens do nacionalismo africano os diferentes povos africanos eram um conjunto de populações brutalmente asfixiadas pelo processo colonial e que estavam obrigadas a ver como o estrangeiro levava as riquezas do continente e ainda por cima fazendo-lhes trabalhar nessa horrível missão que lhes conferia numa hipotética escala social, o escalão mais baixo sendo eles os nativos desses territórios. Para ele a natureza Marxista das sociedades é uma questão inegável que os africanos ainda hoje podem e devem aceitar. Na África existiam por aquela época já dois grupos diferenciados de cidadãos, uns que conservavam as tradições étnicas e ancestrais, viviam nas zonas rurais ou até eram nômadas. Estes são o grupo de africanos predominante até o século XX. Outro grupo era um conjunto de cidadãos que tendo tido mais contato com a realidade colonizadora pelo motivo que for, não interessa, recebeu uma educação europeia, até mesmo na própria Europa, aprendendo as línguas ocidentais e voltando aos seus países de origem para morar nas capitais e ocupar empregos que requerem nível profissionalizante ou até superior e tendo uma ativa vida pública, social e cultural. São geralmente pessoas comprometidas com o seu país, que querem contribuir com os seus conhecimentos a melhora das condições de vida do seu país originário. Este grupo na atualidade é considerável. Atualmente poderíamos considerar também uma mistura dos dois nomeados grupos, de cidadãos que mesmo tendo recebido uma educação ocidentalizada conservam as suas traduções ou até continuam a morar ao estilo da etnia à que pertencem mas estão comprometidos com o projeto nacional e de futuro, são progressistas. O africano que pertence ao grupo primeiro apenas tem consciência de que mora num estado, que por ventura foi colonizado por uma potência europeia e que deixou ao país numa situação determinada. Isto dá para ver perfeitamente em programas de televisão interessantíssimos como Perdidos en la Tribu do canal de tv espanhol Cuatro ou documentais da África do canal Explora ou National Georaphic. Os membros das tribos nem compreendem o que é um país, nem sabem que a terra é redonda como para saber que são cidadão e ainda por cima que isto lhes confere uma nacionalidade, sujeito principal do trabalho. Os outros grupos, com a sua educação ocidental sim que são conscientes de tudo isto, sabem que pertencem a um país, têm uma nacionalidade e sabem que podem fazer valer os direitos que o estado lhes confere. Em definitiva têm uma consciência que vai mais além dos conhecimentos tribais, étnicos e tradicionalistas africanos. Os do grupo de ocidentalizados e os do grupo misto até viajam fora do país, coisa que é básica segundo os Estudos Culturais para conhecer melhor o teu próprio país conferindo e contrastando as diferenças de todo tipo. Duvido que aqueles africanos que moram em lugares sem comunicação com a sociedade e que acham que a África foi gerada de uma masturbação tenham pensado no conceito de nacionalidade, é claro. Elementos como a negritude, o pan-africanismo e a black renaissance foram ideados por intelectuais africanos que emigraram e não vivem na África para transmitir estas realidades aos autóctones africanos e contribuir com eles nessa pretensão de progressismo e orgulho nacional, que antes obviamente não existia. 

               A história da descolonização da África ajuda-nos a compreender a realidade que existe atualmente em cada um dos países do continente. As duas grandes guerras que destruíram a Europa durante a primeira metade do século XX deixaram os países europeus e aos Estados Unidos sem condições para manterem um domínio econômico e militar nas suas colônias, daí a independência concedida a países como Libéria, Gana e por aí fora. Todos os povos africanos então uniram-se, celebrando a Conferência dos Povos da África, realizada na cidade de Acra, capital de Gana, embora a independência de alguns países como a Argélia e a República Democrática do Congo somente foi alcançada após bélicos conflitos que se estenderam por até anos de guerra. 

Conclusões

               A nacionalidade continua a ser um problema na África, por vezes ignorado pelos indivíduos que vivem em níveis de evolução anterior até à Época dos Metais, por vezes sem direitos previstos por estados com escassa capacidade democrática e de desenvolvimento. Quantos africanos que saíram da África e receberam uma educação nas melhores instituição de ensino médio e superior têm que voltar a África para encontrar um povo que permanece maioritariamente indiferente ao progresso e a sociedade moderna que impera na comunidade internacional? E em definitiva, quando as nacionalidades africanas vão adquirir o mesmo nível que a nacionalidade de qualquer outro país do mundo? Os dados que manejam instituições públicas como a UNO ou a União Africana, ou privadas como Strategic Forecasting (Stratfor) revelam uma crescente mudança e faz os africanos terem esperança, mas que ainda está longe dos níveis desejáveis. 

Bibliografia

  • MAGNOLI, Demétrio. História da Paz. São Paulo: Editora Contexto, 2008. 448p. ISBN 85-7244-396-7-32.
  • Ata Geral da Conferência de Berlim. Visitado em 06/11/2014.
  • PINTO DE ANDRADE, Mário. Origens do nacionalismo africano. Lisboa: Publicações Dom Quixote, Lda. 1997. 127 p. ISBN: 972-20-1400-5.
  • Atlas de História Universal “The Times” - O Globo.
  • História Moderna e Contemporânea - Francisco de Assis Silva - Ed. Moderna.
  • Davila, Jerry. Hotel Trópico - o Brasil e o Desafio da Descolonização Africana, 1950-1980. Ed. Paz & Terra, 2011. ISBN 9788577531790.
  • Dietmar Rothermund, The Routledge Companion to Decolonization, Arlington & Nova Iorque: Routledge, 2005.
  • ANDERSON, Benedict: Imagined Communities: Reflections on the Origin and Spread of Nationalism. 1983, ISBN; 0860910598.